Coinfecção Secretaria Executiva da Universidade Aberta do SUS
Estima-se que um 1/3 da população mundial esteja infectado pelo M. tuberculosis. A maior parte da população infectada não adoece e desenvolve imunidade parcial à doença.
Já entre as pessoas vivendo com HIV/aids (PVHA) que estão concomitantemente infectadas pelo Mycobacterium tuberculosis (ou seja, com tuberculose latente), estima-se que 10% desenvolvam a tuberculose ativa a cada ano.
Para uma melhor compreensão do tema tuberculose latente ou infecção latente da tuberculose, é importante recordar que o bacilo da tuberculose, após infectar um organismo, pode permanecer latente, sem causar doença, por muitas décadas. Ou seja, a infecção latente de tuberculose (ILTB) é um estado em que o indivíduo tem o Mycobacterium tuberculosis, mas não tem nenhum sintoma ou manifestação da doença.
A exposição ao bacilo da tuberculose ocorre a partir de um doente que tosse e expele bacilos. Somente 30% dos expostos se infectam. Na população geral, dentre os infectados, 5% a 10% desenvolvem a tuberculose doença nos primeiros dois anos após a infecção. A maioria (de 90% a 95%) das pessoas permanece com a infecção na forma latente. Tardiamente (após os primeiros anos), outros 5% reativam o foco latente em algum momento, pelos mais variados motivos (diabetes, uso de imunossupressores, etc.).
Entre as PVHA, 5% a 15% dos que têm a ILTB reativam o foco latente de tuberculose a cada ano.
Dentre todas as possíveis causas de reativação de focos latentes de tuberculose, como diabetes, desnutrição e insuficiência renal, a infecção pelo HIV é o maior fator de risco para o desenvolvimento de tuberculose ativa.
Veja abaixo o risco de adoecimento por tuberculose frente a diferentes condições de saúde. Note que a infecção pelo HIV é o principal fator de risco para o desenvolvimento de tuberculose.
Para evitar que a infecção latente se converta em tuberculose ativa (doença), é necessário diagnosticar a tuberculose latente e instituir o tratamento da ILTB.
No Brasil, o diagnóstico da TB latente (ILTB) se faz pelo exame clínico, perguntas e também pela prova tuberculínica (PT), exame realizado pela inoculação intradérmica de PPD (derivado proteico purificado), com posterior leitura do tamanho da enduração (após 72 horas da aplicação).
A prova tuberculínica não é um bom exame para o diagnóstico da tuberculose ativa, mas é um bom teste para o diagnóstico da infecção latente. Nas pessoas vivendo com o HIV, esse é um exame fundamental para evitar o adoecimento pela tuberculose.
Em PVHA, recomenda-se que a PT seja feita anualmente, caso o último resultado tenha sido negativo.
A PT é considerada negativa quando a leitura é menor do que 5 mm e é considerada positiva quando for maior ou igual a 5mm. Frente a um resultado positivo, deve-se afastar a possibilidade de tuberculose ativa (por meio da anamnese clínica e, quando possível, da radiografia de tórax) e tratar a ILTB.
É importante lembrar que em PVHA que estejam com a contagem de linfócitos T-CD4+ menor do que 200 cél/mm3, a PT será negativa (anérgica) e, portanto, não tem utilidade. Nesses casos, deve-se aguardar a reconstituição imune para repetir a PT.
Outro aspecto importante é que a infecção latente da tuberculose tem especial relevância em gestantes infectadas pelo HIV. É muito importante prevenir que as gestantes vivendo com HIV/aids tenham tuberculose ativa porque quando isso acontece, há aumento de sua carga viral com consequente aumento do risco de transmitir o HIV para seus bebês. Assim, nesse grupo, recomenda-se tratar a infecção latente após o 3º mês de gestação.
O tratamento da infecção latente vai ser recomendado nas seguintes situações:
Considerando um recente desabastecimento temporário de PPD no Brasil para a realização da Prova Tuberculínica, é importante conhecer a Nota Informativa nº 8, de 2014, CGPNCT/DEVEP/SVS/MS, que dispõe sobre algumas especificidades de indicações do tratamento da ILTB em PVHA nessas situações.
O fármaco usado no tratamento da ILTB é a isoniazida. No Brasil, este medicamento está disponível somente na rede pública em comprimidos de 100 mg. A dose recomendada é de 5 mg/kg a 10 mg/kg de peso até a dose máxima de 300 mg/dia. Dessa forma, de acordo com as faixas de peso, as recomendações são as seguintes:
O tratamento da ILTB em PVHA deve ser realizado, idealmente, com 270 doses, por um período mínimo de nove meses, que pode ser estendido para 12 meses.
Há evidências de que o uso da isoniazida por nove meses protege mais do que o uso por seis meses, principalmente em pacientes com HIV/aids. Para fazer a opção entre seis meses (com 180 doses) e nove meses (com 270 doses) de tratamento deve-se considerar a viabilidade operacional e a adesão do paciente.
A quantidade de doses tomadas é mais importante do que o tempo de tratamento. Por isso, recomenda-se que esforços sejam feitos para que o paciente complete o total de doses programadas mesmo com a eventualidade de uso irregular, considerando a possível prorrogação do tempo de tratamento com o objetivo de completar as doses previstas, não excedendo esta prorrogação em até três meses do tempo inicialmente programado.
Em gestantes, durante o tratamento da ILTB com a isoniazida, recomenda-se o uso de piridoxina na dose de 50 mg/dia, diariamente, para reduzir o risco de toxicidade neurológica no recém-nascido.
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