Coinfecção Secretaria Executiva da Universidade Aberta do SUS
Conforme dito anteriormente, em pessoas vivendo com HIV/aids (PVHA), a proporção de casos extrapulmonares de tuberculose é consideravelmente maior do que na população geral. Por isso, na atenção às PVHA, é necessário conhecer as apresentações extrapulmonares mais frequentes, seus sinais, sintomas e exames diagnósticos recomendados.
Em geral, a meningite por tuberculose se deve à ruptura de um tuberculoma no espaço subependimal devido, por exemplo, a um trauma ou a alguma imunodeficiência. Pode ocorrer também por disseminação hematogênica, podendo estar relacionada à tuberculose miliar.
Durante a anamnese é importante perguntar se o paciente tem dor de cabeça intermitente, febre baixa, seguida de dor de cabeça prolongada, vômitos, confusão mental, meningismo e sinais neurológicos localizados.
O exame de líquor pode ajudar a definir o diagnóstico enquanto que a tomografia computadorizada e a ressonância nuclear magnética (RNM) revelam lesões circulares (que correspondem a tuberculomas), aracnoidite basilar, infarto cerebral ou hidrocefalia.
O exame de líquor pode mostrar contagem de células entre 0 a 1500/mm3 (predomínio de linfócitos e ¼ de polimorfonucleares), proteína elevada e glicose diminuída. O líquor pode ser analisado por testes moleculares que detectam o Mycobacterium tuberculosis.
Vale lembrar que nos exames laboratoriais gerais, é comum a presença de anemia moderada e de sódio plasmático baixo, embora tais alterações não sejam muito características.
A tuberculose ganglionar periférica pode se desenvolver em qualquer cadeia ganglionar do corpo. Entretanto, 90 % das formas ganglionares acometem as cadeias cervical, supraclavicular e submentoniana.
O acometimento ganglionar pode ser uni ou bilateral. De modo geral, os gânglios são indolores e têm consistência firme, mas quando apresentam necrose caseosa central podem ser mais macios e formar massas ganglionares com tendência à fistulização.
Há poucos sintomas ou sinais sistêmicos. Assim, os pacientes podem permanecer sem dor por semanas a meses e até mesmo, em casos raros, por anos.
A prova tuberculínica em geral é positiva, mas ela tem pouco valor nos países com alta prevalência de tuberculose e vacinação maciça com BCG, como é o caso do Brasil.
O diagnóstico se faz por meio da punção aspirativa por agulha, que confirma o diagnóstico em grande porcentagem dos casos. Quando a punção aspirativa não define o quadro, deve-se proceder à biópsia ganglionar, com a exérese de gânglios inteiros, para evitar a fistulização pós-operatória.
O material retirado deve ser encaminhado para baciloscopia, cultura e histopatológico. Quando possível deve ser encaminhado para provas de biologia molecular que podem agilizar o diagnóstico.
Na investigação de tuberculose em PVHA, após o rastreamento inicial baseado nos sintomas, é preciso perguntar sobre dor óssea, que é a manifestação mais precoce, antecedendo os outros sinais inflamatórios. Em geral a tuberculose é monoarticular e está frequentemente associada a alguma história de trauma.
Exames radiológicos são úteis. Radiografia, tomografia e ressonância apresentam praticamente as mesmas alterações. A diferença entre eles é a capacidade de revelar mais precocemente a lesão: a RNM evidencia alterações antes da radiografia. As imagens podem mostrar: edema de tecidos moles próximos à área afetada, osteopenia, destruição periarticular, espessamento periostal e, eventualmente, destruição da cartilagem e do osso.
Na tuberculose osteoarticular, as lesões mais comuns ocorrem nos joelhos e quadris, mas também pode-se apresentar por tenossinovite da mão, artrite do punho e síndrome do túnel do carpo.
Dentro das tuberculoses ósseas, a de coluna vertebral (Mal de Pott) corresponde a 1/3 dos casos. A coluna torácica é a mais afetada, seguida da lombar. A área vertebral mais acometida é a anterior.
Os exames radiológicos mostram um “acunhamento” anterior de dois corpos vertebrais adjacentes. Com o passar do tempo, pode haver acometimento do disco vertebral e de outras vértebras adjacentes.
A TB pleural é a complicação mais comum da TB pós-primária em adultos jovens, adolescentes e crianças, podendo, no entanto, ocorrer em qualquer faixa etária. Também pode ocorrer por reinfecção exógena ou reativação endógena.
Na maioria das vezes, a tuberculose pleural resulta da disseminação direta de um foco tuberculoso subpleural, mas pode ser também decorrente da disseminação hematogênica, o que explica o acometimento da pleura contralateral ao complexo primário ou mesmo, bilateral.
O quadro clínico é característico. O paciente pode estar assintomático ou apresentar tosse seca, febre e comprometimento do estado geral, com dor torácica de aparecimento súbito e frequentemente intenso, podendo ser descrito como uma punhalada.
Muitas vezes a dor torácica é de início insidioso, sendo a dor do tipo pleural, com piora à inspiração. Nestes casos a febre é quase uma constante. A tosse pode ser variável. Seca ou produtiva. A dispneia depende da quantidade de líquido pleural e da velocidade de sua instalação.
A prova tuberculínica pode orientar o diagnóstico em países com baixa prevalência de tuberculose.
A radiografia de tórax é o exame complementar que mais ajuda o diagnóstico e mostra os sinais da ocupação do espaço pleural, com borramento do seio costofrênico e opacidade ascendente das margens laterais do tórax. Cerca de 50% dos casos apresentam também lesões parenquimatosas.
A toracocentese define o diagnóstico. O líquido retirado em geral é claro, serofibrinoso, de cor amarelo palha, com retículos de fibrina que são melhor visualizados ao agitar o líquido pleural. Pode estar levemente sanguinolento. A análise bioquímica demonstra ser um exsudato (com proteína > 3 g/dl) e desidrogenase láctica (DHL) superior a 250 unidades. A dosagem do colesterol no líquido pode ser > 45 a 60 mg/dl (o que corrobora com o diagnóstico), a glicose é ligeiramente inferior que a glicemia e o pH varia de 7,2 a 7,4. Há predomínio de linfócitos (50% a 90%), a baciloscopia em geral é negativa e a cultura para micobactéria pode ser positiva em 25 a 75% dos casos. Vale lembrar que a dosagem da ADA (adenosina deaminase) é elevada (>40 U/L) na grande maioria dos casos.
Recomenda-se que seja sempre solicitado o exame bacteriológico e a cultura de escarro desses pacientes para apoiar o diagnóstico, uma vez que boa parte dos exames de liquido pleural não permitem assegurar o diagnóstico de tuberculose pleural.
Se apesar de todos os exames acima ainda não foi possível definir o diagnóstico, pode-se lançar mão da biópsia pleural. Os fragmentos devem ser submetidos à baciloscopia e à cultura com identificação de micobactéria e teste de sensibilidade antimicrobiana, além de exames histopatológicos.
Qualquer área anatômica desde a boca até o ânus pode ser acometida pela tuberculose. A região ileocecal é a mais afetada e a que apresenta sintomas mais típicos: dor abdominal, diarreia, obstrução intestinal, hemorragia e, frequentemente, massa palpável.
Os sintomas referidos, associados a exames radiológicos e endoscópico, com muita frequência levam a um diagnóstico errado de carcinoma. Em geral, colonoscopia e biópsia definem o diagnóstico de tuberculose gastrointestinal.
Em geral, a tuberculose peritoneal resulta de outras tuberculoses (por disseminação), como a ganglionar, a intestinal, a de trompas uterinas ou a tuberculose miliar. A associação da tuberculose peritoneal com a pleuropulmonar é frequente.
Os principais sinais e sintomas são febre, emagrecimento progressivo e dor abdominal. Por isto, o principal diagnóstico diferencial da tuberculose peritoneal é o abdômen agudo.
O exame de líquido peritoneal mostra exsudato com 500 a 2000 células. A cultura para micobactéria do líquido peritoneal é positiva em até 25% dos casos e a dosagem de adenosina deaminase (ADA) pode ajudar. Já os exames de biologia molecular (PCR), nesses casos, têm baixa sensibilidade.
Em geral, a tuberculose renal afeta apenas um rim (unilateral). É assintomática na maioria dos casos.
Por isso, a avaliação por exames complementares é de grande valia para esclarecer o diagnóstico:
Casos de tuberculose extrapulmonar podem estar associados à tuberculose pulmonar. Assim, recomenda-se amostras de escarro em todos os casos de tuberculose extrapulmonar (para baciloscopias ou teste rápido molecular e cultura para micobactéria com identificação de espécie e teste de sensibilidade antimicrobiano).
Para saber sobre o tratamento da tuberculose em pessoas vivendo com HIV/aids, clique aqui.
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